>

17 de fev. de 2010

[Poesia] JOÃO CABRAL - Alguns Toureiros




PEDRO LUSO DE CARVALHO

O poema "Alguns toureiros", de João Cabral de Melo Neto, integra o livro Duas Águas. Poemas Reunidos. João Cabral de Melo Neto., Rio de Janeiro: José Olympio, 1956, p. 45-46.
Segue o poema Alguns toureiros, de João Cabral de Melo Neto:


ALGUNS TOUREIROS
JOÃO CABRAL DE MELO NETO



Eu vi Manolo González
e Pepe Luís, de Sevilha:
precisão doce de flor,
graciosa, porém precisa.

Vi também Julio Aparicio,
de Madrid, como Parrita:
ciência fácil de flor,
espontânea, porém estrita.

Vi Miguel Báez, Litri,
dos confins da Andaluzia,
que cultiva uma outra flor:
angustiosa de explosiva.

E também Antonio Ordóñez,
que cultiva flor antiga:
perfume de renda velha,
de flor em livro dormida.

Mas eu vi Manoel Rodríguez,
Manolete, o mais deserto,
o toureiro mais agudo,
mais mineral e desperto,

o de nervos de madeira,
de punhos secos de fibra,
o de figura de lenha,
lenha seca da caatinga,

o que melhor calculava
o fluido aceiro da vida,
o que com mais precisão
roçava a morte em sua fimbria,

o que à tragédia deu número,
à vertigem, geometria,
decimais à emoção
e ao susto, peso e medida,

sim, eu vi Manoel Rodríguez,
Manolete, o mais asceta,
não só cultivar sua flor
mas demonstrar aos poetas:

como domar a explosão
com mão serena e contida
sem deixar que se derrame
a flor que traz escondida,

e como, então, trabalhá-la
com mão certa, pouca e extrema:
sem perfumar sua flor,
sem poetizar seu poema.





*   *   *



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Logo seu comentário será publicado,
muito obrigado pela sua leitura e comentário.
Meu abraço a todos os amigos.

Pedro Luso de Carvalho