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2 de abr. de 2012

[Conto] OSVALDO ORICO – A Surpresa

Osvaldo Orico - A.B. L

                 por Pedro Luso de Carvalho


        OSVALDO ORICO nasceu em Belém, Pará, a 29 de dezembro de 1900; morreu no Rio de Janeiro a 19 de fevereiro de 1981. Bacharelou-se em Direito pela Universidade do Rio de Janeiro. Nos anos de 1920 a 1932 lecionou na Escola Normal. Foi Diretor de Instrução Pública do Distrito Federal, em 1930. Foi diretor de Educação e Cultura do Estado do Pará, em 1936; nesse mesmo ano, assumiu o cargo de Secretário Geral desse Estado; e, ainda, ingressou na Academia Brasileira de Letras, ocupando a Cadeira 10, que antes era ocupada por Laudelino Freire; recebeu-o na ABL o acadêmico Cláudio de Souza, em 9 de abril de 1938.

        Em 1938, foi Diretor da Divisão de Educação Extra-Escolar do Ministério da Educação e Saúde. No ano de 1940 chefiou a representação brasileira da Exposição do Livro, em Montevidéo. Nesse ano, foi diretor da Secção Cultural do Pavilhão Brasileiro na Exposição do Mundo Português. 

        Escreveu o livro A Vida Imita os Contos, que foi publicado no Rio de Janeiro pela Record, em 1995. Na abertura do prefácio dessa obra, Jorge Amado, que o escreveu, disse: “Vanja Orico , cantora, artista, cineasta, atuante figura da vida cultural brasileira, presença que se impõe à admiração de todos os que amam a arte, a literatura e a democracia, enviou-me alguns contos inéditos de Osvaldo Orico que irão fazer parte de um livro póstumo cujo título sera A Vida Imita os Contos.

        No seu prefácio, disse Jorge Amado, mais adiante: “Osvaldo Orico exerceu a poesia, mas foi sobretudo um prosador que tocou com sucesso as vertentes de vários gêneros, da ficção ao ensaio, da biografia às memórias, mestre na recriação de ambientes e figuras históricas”. No final do prefácio Jorge Amado faz referência à filha do escritor: “Vanja Orico vem prestar relevante serviço às nossas letras ao reunir em volume os contos inéditos de seu ilustre pai. Os leitores de Oswaldo Orico lhe serão gratos – e que dizer dos amigos?”

        Segue o conto A Surpresa, um dos dezessete contos que compõem o livro A Vida Imita os Contos, de Oswaldo Orico, com prefácio de Jorge Amado, publicado pela Record, Rio de Janeiro, 1995, p. 161-165:

                                                     [ESPAÇO DO CONTO]

                                                           A  SURPRESA
                                                                                               (Osvaldo Orico)


        Foi um domingo afortunado aquele. O Longras não esperava descascar tão cedo os dois abacaxis mais difíceis de seu elenco de vitalinas: Elvira, uma solteirona magra e míope, que havia dois anos esperava um noivo capaz de suportá-la; e Lindaura, uma dengosa moreninha, que exigia, além de “honesto, trabalhador e fiel”, um rapaz que, se vestisse, no dia da boda, um terno azul-marinho, em vez do usual costume de linho branco.

        Para a solteirona magra e míope, apareceu um cidadão viúvo, o Palimércio, com oito filhos. E que andava à cata de madrasta para a pirralhada incorrigível. Tinha sessenta e cinco anos e uma farta dose de reumatismo, que lhe emperrava uma das pernas. Capengava, mas correu ao encontro de sua diva, com estrabismo e tudo, porque ela representava a solução doméstica para o seu caso. A única exêgência feita era que lhe mandassem um carro à porta da residência, a fim de transportá-lo à igreja no dia do casório. Porque os táxis andavam escassos e ele não ia lá das pernas.

        Para Lindaura, que era atraente e bem apanhada, apareceu o Laurentino, comerciário, branco, boa-pinta, que só tinha como defeito uma amnésia persistente, que o levava a esquecer as coisas mais importantes da vida.

        O dono do programa consultou os candidatos sobre as datas dos esponsais:

        - Na semana próxima – respondeu Lindaura, antes que o noivo se esquecesse do compromisso assumido.

           - Devagar com o andor que o santo é de barro. Tenho de falar com uma alfaiataria, para atender seu desejo.

        Quanto ao Palimércio, não haveria problema. Expediria instruções ao garagista para que mandasse buscá-lo no dia marcado.

        Convencionou-se o enlace de Elvira com Palimércio e de Lindaura com Laurentino dentro de quinze dias. Os candidatos deixaram o endereço para que, na data certa, o carro e o terno azul-marinho chegassem ao seu destino.

                                                                            * * *

        A campanhia bateu insistentemente.

       Laurentino correu à porta. Abriu-a. Ninguém. Estava preocupado com o terno azul-marinho que encomendara para a cerimônia. E que não chegava nunca. Olhou o relógio. O ponteiro marcava cinco horas. A tarde caía. O alfaiate não mandava a roupa.

        A campanhia voltou a tocar. Espiou mais uma vez, e nada. Como o ruído continuasse, passou pelo corredor. Ouviu então de onde vinha o barulho timpânico. Não era da porta, não. Era o telefone. Seria o alfaiate desculpando-se da demora? Levantou o fone, ainda metido no pijama de listas.

        - Alô.

        E do outro lado, uma vozinha meiga, convidativa:  

        - É o Laurentino?

        - Eu mesmo.

        - Você está pronto?

       Ainda nem sequer havia tomado banho, à espera da roupa, mas reconheceu a voz de Lindaura. Lembrou o compromisso. E teve de mentir.

        -  Quase pronto. Só falta pôr a gravata e o paletó.

       - Então não demore. Olhe que os padrinhos já chegaram aqui em casa. Às sete horas da tarde estaremos todos na igreja. Ficou bem o terno azul-marinho que escolhemos juntos?

        - Uma luva.

        - Então você deve estar uma uva. Até já, querido.

        Laurentino recolocou o fone no lugar. Só depois é que considerou a questão. Ele havia prometido à noiva que se casaria de escuro e gravata cinza-clara, tendo escolhido com ela uma roupa feita. Azul-marinho. Teria esquecido, por acaso, de dar o endereço? Não. Lembrava-se de que o fizera por escrito. O que podia acontecer é que a direção do programa se houvesse equivocado, mandando o terno para outro noivo. Como a encomenda não chegava, o remédio era apelar para o costume de linho branco que a lavanderia mandara na véspera, engomadinho e reluzente. Lindaura – a sua prometida, com a qual deveria casar-se naquele dia, dentro de momentos – detestava essa indumentária, que lhe causava a sensação de casamentos feitos no Palácio da Justiça, ali na rua Dom Manuel, entre gente do povo. Ela suspirava por um casamento de gente bem. Não tendo outra solução, envergou o costume de linho. Cinqüenta minutos antes da hora do casório pára, em frente à casa, um carro de luxo, com motorista em grande uniforme.

        - Vim buscar o noivo.

        - Sou eu mesmo.

        A sorte o estava ajudando. Não contava com aquela ajuda da providência.

        - Para onde vamos?

         - À praça, na igreja Nossa Senhora da Paz.

        O motorista conferiu o endereço com o papel que tinha no bolso. Era o mesmo. Não teve dúvida em receber o passageiro. Ainda mais que estava de branco e sapato preto, assim como quem vai casar. Laurentino olhou o relógio, esquecido de que adiantara o ponteiro a fim de não chegar atrasado. Para evitar dúvidas, pediu ao motorista que aumentasse a velocidade. Não desejava que Lindaura ficasse à sua espera. Pela primeira vez na vida queria cumprir a palavra dada a testar sua pontualidade. Em poucos minutos, o automóvel ganhou a praça. Ao descer dele, Laurentino ouviu os últimos compassos do coro, e deduziu que, mesmo tendo corrido, chegara atrasado. Que a noiva já devia haver entrado na igreja, porque não havia aglomeração na calçada. Convidados e curiosos estavam todos lá dentro, sentados ou entupindo a porta e a passagem. Que fez, então? Para ganhar tempo, embarafustou pela ala direita do templo, onde uma porta dava acesso ao altar. Vendo a noiva já de joelhos em frente ao padre, não discutiu. Acotovelou os curiosos e ganhou o degrau em que, encolhida e genuflexa, ela o esperava. Pacientemente. De cabeça baixa, como se estivesse em oração. Ou em transe.

        Prosternou-se a seu lado, pedindo em voz baixa, quase imperceptível.

        - Perdão pelo atraso. Depois explicarei.

        Contrafeita, a moça não mudou de posição. Nem sequer moveu a cabeça para ouvir a desculpa. Devia estar impaciente, aborrecida. Por duas coisas: primeiro, pela demora do noivo, depois por vê-lo chegar de branco, em vez de terno escuro que ela mesma escolhera com ele. Sentindo a frieza com que era recebido, Laurentino justificou-a, procurando na humildade, no recolhimento, corrigir, ou, pelo menos, atenuar as culpas que carregava. À semelhança da futura esposa, enterrou a cabeça no peito, ouviu as palavras sacramentais que o sacerdote começava a proferir. Atordoados pelos imprevistos e pela série de acontecimentos que marcavam a boda, ao serem interrogados se estavam de acordo em tomar-se por legítimos esposos, ambos proferiram um sim convencional, que era mais de mau humor que de satisfação. Em todo caso, um sim. Estavam casados, irremediavelmente casados pela igreja.

        Terminada a cerimônia, levantaram-se lentamente, dirigindo-se à sacristia, onde deveriam receber os cumprimentos. 

        Quando a noiva levantou o véu, Laurentino recuou espavorido e estupefato: tinha a seu lado uma criatura velha e vesga, que não era outra senão Elvira, cuja miopia não a deixou ver um palmo diante do nariz.

        Na confusão da pressa, alguém trocara os endereços, remetendo ao Palimércio o terno que devia servir ao Laurentino. E despachando para este o carro que devia ir buscar o outro.

        O resultado é que Laurentino chegara à igreja meia hora antes de sua vez. E Palimércio, atrasado e esbaforido, meia hora depois, quando Lindaura transpunha a porta do templo e o coro começava a soltar as primeiras notas da Marcha Nupcial


                                                                 * * * * * *

2 comentários:

  1. Boa noite, querido Pedro Luso.

    O conto é bom demais!
    Antigamente os viúvos cheios de filhos, sempre se casavam para ter uma doméstica.

    A minha querida avó se casou duas vezes, e todas duas, foram com viúvos cheios de filhos pequenos.
    Ela era bonita, mas seu pai a obrigou, porque ele era amigo do viúvo.

    Assisti muitos filmes com a atriz Vanja Orico.
    Que bom ela ter tirado do baú, a obra do seu pai.
    -------------------------

    FELIZ PÁSCOA!!
    Que a luz Divina ilumine todos os seus projetos.

    Um grande abraço.

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  2. Hey, great blog!! Nice set up and pictures!! Keep up the good work!! You are invited to check out or follow my blog anytime!!! Have a great day!!

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muito obrigado pela sua leitura e comentário.
Meu abraço a todos os amigos.

Pedro Luso de Carvalho