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28 de jun. de 2010

[Poesia] JOÃO CABRAL – A Mulher do Hotel




PEDRO LUSO DE CARVALHO

Entrevistado por uma revista brasileira, há muito tempo, João Cabral de Melo Neto disse, entre outras coisas, que não acreditava em inspiração para escrever poemas; para ele, essa é uma tarefa que exige método e dedicação. Foi nessa entrevista que o poeta pernambucano disse – não sei se pela primeira vez – que escrevia poesia com cinco por cento de inspiração e noventa e cinco por cento de transpiração.
Não é por outro motivo que os críticos e os escritores de 1945 combateram a sua poesia, quer pelo rigor de sua construção, quer pela secura de sua linguagem, que ficava muito distante dos poemas inspirados da época. João Cabral era para eles um poeta racional e sem coração. Não é por outro motivo que é tido por poeta engenheiro.
Em entrevista concedida ao Jornal do Brasil, "Caderno B", Rio de Janeiro, em 16 de agosto de 1968, João Cabral respondeu a uma pergunta feita justamente sobre inspiração; eis a resposta do poeta:
Inspiração não tenho nunca. Aliás, como diz Auden, a poesia procura a gente até os 25 anos. Depois, é a gente que tem de procurá-la, inspirá-la. Confesso que desde o início construí minha poesia. Rendimento é uma questão de trabalho e método. De sentar todos os dias à mesma hora. O rendimento dos primeiros dias pode ser menor, mas depois se torna regular.
Em 1958 a José Olympio Editora publicou o livro de João Cabral de Melo Neto intitulado Duas Águas (Poemas Reunidos). Esse volume encerrou as obras publicadas em Poemas Reunidos, Rio de Janeiro, 1954, e estes outros livros: Morte e Severina, Paisagens com Figuras, Uma Faca só Lâmina.
Os Poemas Reunidos citados compreendiam: Pedra do Sono, Recife, 1942; Os três Mal-Amados, 1943; O Engenheiro, Rio, 1945; Psicologia da Composição com a Fábula de Anfion e Antiode, Barcelona, 1947, e O Cão sem Plumas, Barcelona, 1950. Esses livros - editados no volume intitulado Duas Águas (Poemas Reunidos) - sofreram algumas modificações, que o poeta considerou-os definitivos.
Para a edição neste espaço, escolhemos o poema de João Cabral, A Mulher do Hotel, que integra o livro Duas Águas (Poemas Reunidos):


A MULHER DO HOTEL
JOÃO CABRAL DE MELO NETO



A mulher que eu não sabia
(rosas nas mãos que eu não via,
olhos, braços, boca, seios)
deita comigo nas nuvens.
Nos seus ombros correm ventos,
crescem ervas no seu leito,
vejo gente no deserto
onde eu sonhara morrer.
Terei de engolir a poeira
que seus cabelos levantam
e pousa na minha alma
me dando um gosto de inferno?
Terei de esmagar as crianças?
Pisar nas flores crescendo?
Terei de arrasar as cidades
sob seu corpo bulindo?
Hei de achar um cemitério
onde em seu pé plantarei.
Vou cuspir nos olhos brancos
desta mulher que não sei.




* *


EFERÊNCIAS:
ATHAYDE, Félix de. Idéias fixas de João Cabral de Melo Neto. 4ª impressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: FBN; Mogi das Cruzes, SP: Universidade de Mogi das Cruzes, 1998, p. 48.
DE MELO NETO, João Cabral. Duas águas. Poemas reunidos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956, p. 161.




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Pedro Luso de Carvalho