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30 de nov. de 2012

[Conto] FRANZ KAFKA – O Abutre

Franz Kafka

                PEDRO LUSO DE CARVALHO ]

        
        FRANZ KAFKA nasceu em Praga no dia 3 de julho de 1883; vítima de tuberculose, morreu em 3 de junho de 1924, no Sanatório de Keerling, perto de Viena; foi enterrado em Praga, no Cemitério de Straschinitz. Nessa época Kafka era conhecido apenas por um círculo de amigos; sua obra somente seria conhecida 20 anos após sua morte.

        Sobre o talento criativo de Kafka, manifestaram-se, após esses vinte anos de sua morte, nomes importantes da literatura de vários países, como o fizeram alguns que adiante serão mencionados:

        W.H. Auden, poeta inglês: “se eu tivesse que escolher o autor que tem para com nossa época aproximadamente a mesma relação que Dante e Schakespeare para com a sua, Kafka é o primeiro nome em que eu pensaria”.

        George Steiner, renomado ensaísta: “Nenhuma outra voz testemunhou de maneira mais fiel à natureza de nossa época”. O escritor francês Paul Claudel, que não ficou distante da comparação feita por Auden, afirmou que, “Ao lado de Racine, que para mim é o melhor de todos os escritores, há um: Franz Kafka”.

         Jorge Luis Borges, o mais importantes escritor argentino, que traduziu parte da obra de Kafka, como O processo e Metamorfose: “Duas ideias, ou melhor, duas obsessões regem a obra de Franz Kafka: a subordinação é a primeira, e o infinito a segunda. A mais indiscutível virtude de Kafka é a invenção de situações intoleráveis. Para registrá-las de maneira definitiva bastavam-lhe algumas frases (...) O argumento e o ambiente são o essencial, não as evoluções da fábula nem a penetração psicológica. Daí a primazia de seus contos sobre as novelas longas”.

         A obra de Kafka começou a ser conhecida na França em 1928, quando eram publicados em revistas apenas pequenos trechos de seus livros; em 1933 a ed. Gallimard publicou O processo; a partir daí nomes importantes como Aldous Huxley, André Gide, Hermam Hesse, Thomas Mann, Virginia Wolf, Albert Camus, além de outros escritores e ensaístas, passaram a dar atenção à genialidade de Kafka, e a contribuir para a divulgação de sua obra.

        Tânia Franco Carvalhal, saudosa escritora e professora da Faculdade de Letras da UFRGS: “(...) sob a égide de Poust, de Joyce e do escritor tcheco, representam etapas significativas na evolução do romance contemporâneo. Muitos críticos vão situar Kafka nas origens de toda a literatura contemporânea e Claude Mauriac preferirá considerá-lo como a fonte de toda a literatura contemporânea”.

        Albert Camus, escritor e filósofo francês: disse que o segredo de Kafka encontra-se na contradição que se vê no trecho de O processo, em que a sua personagem Joseph K. é alguém que não se surpreende e não se deixa surpreender nos perpétuos balanços entre o natural e o extraordinário, entre o indivíduo e o universal, entre o trágico e o cotidiano, entre o absurdo e o lógico.

        Segue o conto de Franz Kafka intitulado O abutre (In Franz Kafka. ContosSeleção e prólogo de Jorge Luis Borges. Tradução de Isabel Castro Silva. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2005, p. 17-18):

                      
                                              
                                             [ESPAÇO DO CONTO]

                         
                                                      O ABUTRE
                                                         (Franz Kafka)



        Era um abutre que me picava os pés. Tinha já rasgado as botas e as meias e agora bicava os próprios pés. Bicava sempre sem parar, esvoaçava depois inquieto várias vezes à minha volta e retomava o trabalho. Um homem passou por nós, observou por um momento e depois perguntou por que tolerava eu o abutre. “Não tenho como me defender”, disse eu, “ele chegou e começou a bicar-me, e é claro que o quis enxotar, tentei mesmo estrangulá-lo, mas um animal destes tem muita força, também já queria saltar-me para a cara, por isso preferi sacrificar antes os pés. Agora já estão quase esfacelados.” “Imagine-se, deixar-se torturar assim”, disse o homem, “um tiro e é o fim do abutre.” “A sério?” perguntei eu, “e o senhor não quer tratar disso?” “Com muito gosto”, disse o homem, “tenho só de ir a casa buscar a espingarda. Consegue esperar ainda uma meia hora?” “Não sei, disse eu, e por um instante fiquei hirto de dor, depois disse: “Em todo o caso tente, por favor.” “Muito bem”, disse o homem, “vou apressar-me.” Durante a conversa o abutre ouvira serenamente, deixando vaguear o olhar entre mim e o homem. Via agora que ele entendera tudo, levantou voo, curvou-se muito para trás para ganhar balanço e como um atirador de lanças enfiou então o bico pela minha boca até o mais fundo de mim. Ao cair para trás senti-me liberto enquanto no meu sangue que enchia todas as profundezas e transbordava de todas as margens ele se afogava sem salvação.


                                   
                                                              *

REFERÊNCIAS:
CARVALHAL, Tânea Franco. A Realidade em Kafka. Porto Alegre: ed. Movimento, 1973.
IZQUIERDO, Luis. Conhecer Kafka e a sua obra. Tradução de Manuel Mota. São Paulo: ed.Ulisseia, [198-?].



                                                           *  *  *

13 comentários:

  1. A tuberculose matou muita gente, é uma pena que ainda continue matando.
    Gostei do texto "O abutre".
    Beijos!!!

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  2. Janice,

    É verdade, mesmo com todo o avanço das pesquisas médicas, a tuberculose ainda continua matando milhares de pessoas por ano no Brasil. E isso não é diferente no resto do mundo.

    Abraços,
    Pedro.

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  3. Olá Pedro, vim retribuir e agradecer a visita... também conhecer seu blog... acho que vou ter muito com que me distrair, absorvendo cultura... gostei muito do "O abutre"... agora, vou dar uma conferida nos posts passados... abraços!

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  4. Márcia,

    Aqui você sempre será bem-vinda.

    O conto do Kafka, "O Abutre", é uma lição para quem quiser escrever contos.

    Abraços,
    Pedro.

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  5. Muito bom vir aqui Pedro.
    Bom ler Kafka.

    Beijo
    BShell

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  6. BlueShell,

    É muito bom receber sua visita; e também de saber que você gostou do conto de Kafka.

    Abraços,
    Pedro.

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  7. Anônimo11:12

    Olá, Na sua opinião que sentido Kafka quer transmitir com esse conto?? possivelmente uma msg, vc saberia me dizer qual o significado?? abç! adorei o blog!!

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    1. Caro visitante,

      Não me atreveria a dizer o que Kafka tinha em mente quando escreveu "O Abutre", ou qual mensagem queria transmitir. Para mim os seus contos foram escritos para que o leitor desse um sentido na história, e também que, ao ler as história o leitor sentisse o choque do absurdo nela contido.

      Um abraço.

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  8. Os contos de Kafka,infelizmente,não são tão conhecidos,tal qual a obra dramática do Machado de Assis.Fico feliz que existam blogs como este que incentiva leitores novos.

    RENATO ZUQUE

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    1. Obrigado, Renato, pela visita.

      Sempre que posso, publico em meus blogs matérias sobre Kafka, bem como alguns contos seus.

      Um abraço,
      Pedro.

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  9. Olá poeta! Obrigada pelo apoio, pelo maravilhoso blog e por publicar matérias sobre Kafka. Que para mim, retrata o labirinto humano de uma sociedade muitas vezes irracional e com atitudes surreal. subjugando as pessoas, e a comunidade da vida.
    Um abraço,

    NiceVeloso.

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    1. Boa noite, Nice!
      Você tem razão, Kafka deixou uma obra de grande importância.. É um escritor para se ler sempre.
      Obrigado pela vista.
      Um abraço.

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  10. Instigante! Será que o Abutre é a Tuberculose? O mal que lhe matou?

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muito obrigado pela sua leitura e comentário.
Meu abraço a todos os amigos.

Pedro Luso de Carvalho