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30 de out. de 2012

(Crônica] RUBEM BRAGA – O Orador



PEDRO LUSO DE CARVALHO ]


RUBEM BRAGA (1913-1990) é um dos mais importantes cronistas brasileiros; tivesse ele exercido a advocacia, depois de ter-se bacharelado em Direito, não teríamos para ler suas belas crônicas, publicadas em jornais, revista e livros; livros que de quando e quando são reeditados. A boa qualidade de seu texto deve-se não apenas a sua sensibilidade, mas também à vasta experiência de uma vida distante do comodismo, que se constituiu num dos alimentos à sua paixão pelo jornalismo; paixão que a viu nascer na adolescência em Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo, sua cidade natal.  

De Cachoeiro do Itapemirim Rubem Braga passou a viver em alguns dos Estados brasileiros, como São Paulo, Recife, Belo Horizonte, Porto Alegre, Rio de Janeiro, e depois em outros países, quais sejam, Argentina, Estados Unidos, Itália,  México, Portugal, Itália, Inglaterra, França, Grécia, Angola, Moçambique e África do Sul, sempre a serviço do jornalismo.

Acreditamos que por causa de sua outra paixão, a crônica, Rubem Braga aventurou-se no movediço ramo editorial. Acompanhado de alguns de seus amigos, que se tornaram seus sócios, fundou a Editora do Autor, no período de 1967 a 1970; depois, tornou-se sócio da Editora Sabiá. Nenhum desses dois empreendimentos teve longa duração, mas o certo é que ambas editaram obras de qualidade inquestionável.

Segue a crônica de Rubem Braga, intitulada O Orador (In BRAGA, Rubem. O verão e as mulheres. 4ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1986, p. 16-18):


                                              [ESPAÇO DA CRÔNICA]
      
                                  
                                              O ORADOR
                                                                             (Rubem Braga)
                                           



Ônibus pintados de vermelho e amarelo, automóveis, caminhões se cruzam na manhã paulistana. Entre plátanos e palmeiras passam normalistas, e ora atravessam zonas de sombra clara, ora seus cabelos brilham ao sol. Há homens rápidos. Tudo está amanhecendo com tanta força, que eu também amanheço de remotas aflições, eu emerjo com energia das sombras da noite e me planto na varanda, ao sol. Vou ao chuveiro, a água me bate com força alegre, volto à minha varanda alta, sobre os veículos e os transeuntes matinais, tenho a vontade insensata de fazer discursos.

“Paulistas! Mais um dia amanhece!” Seria preciso fazer um discurso assim, seria preciso ter uma voz poderosa e firme, capaz de deter os transeuntes – para lhes anunciar esta manhã, a sua glória e potência, e lhes dar a todos a consciência clara da manhã. Frases bem lavadas, úmidas de vigor matinal.

“Paulistas!” O homem de chapéu se deteria atônito, a normalista de cabelos castanhos, rindo, diria para a outra, me apontando – “olhe um homem maluco” (mas depois as duas ficariam sérias), e o rapaz de roupa cinzenta recearia que eu me fosse lançar da varanda ao solo para me matar, talvez caísse em cima dele.

“Paulistas! Vossa clara e forte manhã me faz bem, e digo ao povo e digo aos poderosos caminhões, e às grandes árvores e ao sol: obrigado! E à brisa da manhã eu agradeço e digo: leva para longe, leva pelos ares cheios de sol os restos de minha tristeza noturna, lava o ar e a alma deste homem, brisa! Eu estou sólido e limpo! Respiro fundo, tenho prazer em respirar e viver, sou capaz de fazer a justa guerra e empreender imediatamente a reconstrução das cidades, vou embarcar nas monções, trarei pedras e índios e horizontes largos – contai comigo, manhã paulista!”

Mas permaneço calado, de pé, parado, ao sol, na varanda, perante as árvores altas, mais alto que as árvores mais altas. Dissipam-se em mim os venenos da noite. Talvez apenas o meu corpo estremeça um pouco. Talvez apenas eu receie sair da zona do vento e da luz, reentrar na sombra do quarto, reencontrar no espelho o homem torturado e vazio, aquele cujo coração alguém pôde apertar nas mãos de unhas finas, dolorosamente, e jogá-lo ao chão como se fosse um lenço usado, aquele a quem no fundo da noite deram a beber os filtros da melancolia – aquele homem fraco e aflito, aquele insensato.

   


           *
Janeiro, 1953

     *  *  *

4 comentários:

  1. Poxa...me emocionei lendo! Parabéns Pedro pela publicação! abraços...

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  2. Varandasazuis,

    Nosso objetivo é divulgar na medida do possível obras de escritores importantes, como é o caso de Rubem Braga.

    Obrigado pela visita.

    Abraços,
    Pedro.

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  3. Anônimo12:26

    Sobre a vida – e principalmente as circunstâncias que cercaram a a morte de Rubem Braga – vale a pena ler este excelente texto do mauro santayana, do Jornal do Brasil:
    http://www.maurosantayana.com/2013/01/rubem-e-o-poder.html

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    1. Agradeço a visita do "Anônimo" e sua colaboração.

      Pedro.

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Pedro Luso de Carvalho